SÃO PAULO TERRA BOA

7 da manhã o despertador toca ao som de Bob Marley « Get up, stand up , stand up for your rights… » você acha muito cedo e coloca para despertar quinze minutos depois.
Somente então se dá conta que a cidade já soa lá fora, a moto acelera o carro freia o pedestre grita. « Get up, stand up , stand up for your rights… » você finalmente levanta e vai para a ducha acordar teus espíritos, a água bate no vidro, na parede, na tua pele e em meio à fumaça o som lá de fora se apaga. Sai do banheiro, desliga teu despertador « Don't give up the. » vai para cozinha coloca água na chaleira e a chaleira no fogo para esquentar a chaleira apita avisando que já está fervendo a porta do vizinho bate e o cachorro late o barulho do elevador que chega « zuuuummmm ». Você pega o molho de chaves que faz tlintlin quando uma chave bate na outra abre a porta fecha porta clac e chama o elevador zuuuummmm o elevador desce e a luz da garagem acende tic por causa do sensor automático tac tac tac do teus passos até o carro abre a porta senta liga o carro e o rádio canta liga o carro abre a porta da garagem tim tim tim avisando os pedestres que um carro vai sair e você acelera « bruuuummm ». Você desliga o rádio do carro pois acha que o motor está fazendo um barulho estranho mas é só o som do amortecedor passando por um buraco o ônibus buzina a moto buzina o condutor te xinga então você decide ligar o rádio que fala do trânsito das obras do metrô e parado no farol vermelho você vê um helicóptero pousar no prédio “truuummm”. Você chega ao trabalho uma reunião de equipe o chefe fala o colega reclama a secretária pergunta quem quer café você liga teu computador tchan para fingir anotar alguma coisa teu celular toca você se desculpa colocando no vibrador ele vibra avisando que você recebeu uma mensagem “bzzzbzzz”. Você se ausenta dizendo precisar ir ao banheiro e aproveita para ler tua mensagem a impressora imprime bizzchet bizzchet abre a porta fecha a porta senta no vaso e se dá conta que tudo já está rodando a mil puxa a desgarga chuáaaa lava as maõs rapidinho e volta para a reunião ouvindo o telefone da secretária tocar “trim trim triiiimmm”. Você olha lá fora o céu escurece trovoadas brum e raios buzinas pisca-alertas gritos com o corte de energia todo mundo descendo pela escada toc toc toc e você decide ir embora a pé pling pling pling mesmo com as gotas que caem na cebeça um ônibus passa você decide entrar o cobrador estala a porca presa no elástico na barra de ferro para avisar que a porta pode ser fechada “chiiinbum”. Você chega em casa molhado a luz volta você ouve o elevador que desce zuuummm o cachorro late as chaves batem a porta abre fecha clac você vai para ducha liga a água que bate na porta de vidro na parede na tua pele as buzinas na rua a televisão ligada a reforma no vizinho “bum bum bum”. Você vai preparar a comida que coloca no micro-ondas enquanto põem um ovo para cozinhar numa penela deixa cair a tampa no chão tampa que rodopia até parar blan blan blan bl b o micro-ondas apita para avisar que você pode comer teu telefone toca tua campainha toca o vizinho quer saber se você não teve problemas de inundação com a reforma o cachorro late a porta bate e as buzinas na rua o carro que freia você cansado decide dormir “ufa”. Você coloca a cabeça no travesseiro e decide se deixar levar pelo barulho dos carros que parecem até ondas do mar fecha os olhos e dorme mas tua cabeça roda a chuva ganha dentes os trovões gritam e você dorme “zzzzz”. Você pensa dormir quando é acordado pelo estremecer da tua cama e um rugido enorme que acontece quando o caminhão de lixo vem recolher o lixo da rua o cachorro late o caminhão passa e você dorme novamente até que teu despertador toque as sete da manhã ao som de Bob Marley « Get up, stand up , stand up for your rights… » você acha que é muito cedo tem a sensação que não dormiu e o coloca para tocar quinze minutos mais tarde.

Le Monde Hors Séries celebra o Brasil


Depois do Ano Cultural do Brasil na França (2005), do ano Cultural da França no Brasil (2009), Le Monde Hors Séries de setembro de 2010 celebra o Brasil sem cair nos clichês, já conhecidos dos europeus, do futebol, do carnaval e da prostituição. Intitulado “Brasil, um gigante se impõe” a publicação faz um apanhado dos 25 anos de fim de ditadura militar, iniciando inevitavelmente pelo assunto que será, em breve, o final, com quase 80% de aprovação: os dois mandatos do presidente Lula. A “irresistível ascensão” do Brasil continua a fascinar.

Quase como num adeus, as primeiras páginas são destinadas à trajetória política do atual presidente brasileiro e ao legado deixado à candidata escolhida pelo presidente para as próximas eleições presidenciais: “Quando eu deixarei o poder, irei ao cartório para registrar tudo o que fiz. Para que aquele ou aquela que venha depois, e você sabe a quem eu penso, faça melhor que eu". Le Monde Hors Séries mostra as fragilidades do governo no que tange questões diplomáticas tais quais o Conselho de Segurança da ONU, a energia nuclear e o acordo iraniano, o Mercosul. Independentemente de tais questões o Brasil é atualmente um “país incontornável” no cenário internacional.

Dos problemas sociais dos Sem-Terras, das favelas, dos nordestinos à esperança dada pelas novelas, pela Copa do Mundo de 2014, pelos Jogos Olímpicos de 2016, pelo otimismo dos próprios brasileiros demostrados durante sondagem. Otimismo também pelo fato de que o Presidente Lula seja, ele mesmo, reflexo de uma ascensão social e política? Criança pobre do sertão que alcançou as mais altas funções. Afinal, de “onde vem o espírito brasileiro?” interroga a publicação francesa. Das raízes africanas, européias, indígenas? Da alegria, da muscalidade ou da descoberta de si mesmo como um emaranhado de tudo isso?

Aos olhos do Monde Hors Séries a irresistibilidade com relação ao Brasil e aos brasileiros não parece residir somente em experiências efêmeras de um turista em busca de samba e carnaval, mas em práticas que rompam com as noções estéticas sobre um povo, sobre um território unicamente em momentos de festas. O irresistível do Brasil é o quase como uma parafrase da Bahia por jorge Amado: é impossível explicar este país onde seu mistério é como uma nuvem que recobre o céu e, chagando do mar, nos reveste completamente: corpo, alma e coração.

Contudo, otimismo e ascensão não significam um futuro assegurado para o país. Mas uma coisa é certa: com tanta diversidade, contrastes e mistérios, existe sempre de quê se encantar. Com tantas experiências estéticas, fica difícil tirar o sorriso do rosto brasileiro. E do estrangeiro.

XIXI EM NEUILLY

O sucesso dos programas realities exibidos pela cadeia televisiva mostram que vídeo-câmeras estão na moda, mesmo se o custo de produção/intalação forem caros : pela Internet pode-se vigiar dentro de casa, fora de casa, o muro da calçada da casa. Com o auxílio da banda larga, da até para vigiar um bebê dentro do quarto, mas também a babá. Todo movimento é colocado à prova. Mania de perseguição não é à toa. Uma reportagem publicada pela CNN em 2008 mostra que pesquisadores estão convencidos da ligação entre a cultura popular e saúde mental no que nomeiam de síndrome de Truman, como no filme “The Truman Show” (título em inglês), protagonizado por Jim Carey. Se o exemplo serve para a vida privada, serve também para a vida pública, uma vez que inúmeras cidades brasileiras já instalaram nas ruas suas cameras de vigilância. Segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, são 264 câmeras em funcionamento na capital monitoradas no Centro de Operações da Polícia Militar, onde trabalham 60 policiais.
O método é considerado eficaz pelo governo municipal, contudo, sucita por parte da população a reflexão sobre a liberdade dos indivíduos colocados sob controle generalizado e sem garantias sobre o uso das imagens registradas.
Duzentas e sessenta lhe parecem muitas? Imagine Paris, que em 2011 deverá ter mais de 1000 cameras para uma população de 2.193.031 hab. (dados de 2007) em uma superfície de 105,40 km2 contra uma população de 11.037.593 hab. (IBGE 2009) em s u p e r f í c i e de 1 . 5 2 3 k m2 para São Paulo.
Não creia que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo pense na tua liberdade com suas centenas de câmeras de vídeomonitoramento. Assim como nos realities shows, o programa custa caro ao orçamento público “A implantação do sistema de videomonitoramento na cidade de São Paulo foi dividida em duas fases. O Governo do Estado investiu R$ 6 milhões na compra de 102 câmeras, nas instalações da central de monitoramento, no programa de computador para seu funcionamento e no treinamento dos policiais operadores. A segunda fase, com um investimento de mais R$ 6 milhões, ocorreu com a instalação de outras 162 câmeras” (dados no site da SSP-SP).
Na França, a Assembléia acaba de aprovar a Lei Loppsi 2 que prevê, entre outros, multiplicar por três o número de câmeras de vídeomonitoramento instaladas no país. Serão 60.000. Economias com o novo plano para a aposentadoria, que resultou numa greve geral no último dia 7 de setembro e despesas com segurança pública. Ou melhor, privada, pois é a liberdade do indivíduo que se visa. Resta assinar os abaixo-assinados contra a medida e esperar que a caça se volte contra o caçador: um dia quando deixar de ser presidente, atrasado para uma entrevista numa rede televisiva onde participará de um realitie show, Sarkosy pare seu carro na rua para fazer um xixi. Pego em flagrante, uns dias depois, recebe uma carta: “senhor ex-presidente, se quiser fazer xixi, volte para Neuilly”.

PALAVRAS NO CONTA-GOTAS

Uma vez ao dia antes de dormir. Receita homeopática, desce como água. Só não pode escovar os dentes depois, senão estraga.
Exercício literário : abra a boca e pingue uma duas três quatro gotas. Não esqueça de fechar o frasco, ou as aspas. Algumas vezes, a gota que deveria pingar como gota vira bolha na ponta do gonta-gotas e explode. Essa não pode ser considerada palavra bebida, tome mais uma. Aconteceu isso ontem, a caneta explodiu quase no nariz, engoli cação, rizoma, argila e ponto. Ainda não tive a sorte de ingerir palavras compostas, que parecem ter melhor efeito que palavras simples. O frasco é português, do Brasil, e deve ser conservado em lugar seco, ao abrigo da luz, pois pode dar revertério na composição. Kompremda qui palavrias ção phormadas pur letrias. Devemos seguir a regra da bula e do médico tintin por tintin e não misturar lé com cré.
Com a tinta na ponta do nariz, o cação, o rizoma, a argila e o ponto descendo pela garganta, o sono chega…
…O mundo nasceu de um rizoma fincado numa bola de argila quase seca. Quando chove, se chove, a bola incha e o rizoma cresce. Acontece que tem que chover na medida para o rizoma crescer, pois caso chova em demasia a argila vira lamaceiro e dentro da lama vive o caos, que é peixe cação adormecido esperando a poça se formar para rizomas devorar. Se chove de menos, dentro da bola tudo continua duro como pedra, como um ponto final que não precisa crescer para se transformar em outra coisa. Não foi do ponto que tudo virou mundo. E o caos reina porque o cação anda solto por aí. Pro rizoma a chuva no conta-gotas é a melhor coisa, como palavras no conta-gotas: nem mais nem menos. Senão estraga.

SALADA DE FRUTAS

Vá para casa e pegue um grande recipiente de vidro. Abra a geladeira e separe : um mamão, uma laranja, um kiwi, uma banana – certo, você não guarda bananas na geladeira- uma laranja, uma carambola, morangos, um abacaxi, uma melância. Não tem tudo isso na tua geladeira ? Esqueça, ponha de volta todas as frutas que foram separadas onde estavam, saia de casa e vá à feira. Pode esquecer a carteira, mas pegue a máquina fotográfica, você vai precisar.
Converse com os feirantes. Eles gostam de conversa, vai ser fácil. Peça ao primeiro cortar um mamão no sentido da junção do caule até a outra extremidade, no bumbum do mamão. Depois peça para cortar um outro mamão, se ele já não estiver cortado, em fatias circulares : perpendicular ao corte do primeiro mamão. Pare e observe até que esses dois mamaõs deixem de ser frutos. Espero que você não vá à feira perto da hora que os varredores chegam, que o caminhão jateie água por todos os lados. Vá com tempo. Tire uma foto dos mamãos, ou melhor daqueles girinos encurralados numa gruta gritando mamãe, daquelas pequenas anêmonas todas grudadas na pedra, quase pretas, esperando o água do mar voltar para se abrirem.

Depois passe para a barraca seguinte, não abuse sempre da mesma, o feirante não vai ficar contente de saber que você vai lhe pedir para cortar todas as frutas assim ou assado.

Com a laranja, peça a mesma coisa. Com o kiwi, a banana, a melância… Enfim, se tiver saputi melhor ainda! Repita o exercício. Kiwi e a íris de um belo olho verde-esmeralda ou uma lesma lesmeando seu ventre através de um vidro. Não cabe à mim dizer o que teus olhos vêem. Leve tudo para casa, as fotos.

Uns dias depois, aproveite a poda de árvores que a prefeitura organisa na cidade e vá observar os galhos cortados. Vá a uma pedreira e fotografe pedras cortadas, montanhas cortadas. Se entusiasme com o mundo que vê.

Se um dia você teve chance ou a terá, de ver a controvertida exposição “Our Body” (Nosso Corpo), pense nas frutas cortadas. Caso não consiga enxergar nada além do corpo humano, pense que frutos são provenientes da fecundação, no ovário das flores. Quase como nós. Se ainda assim a teus olhos tudo parecer demasiado humano, volte para casa, abra a geladeira, corte todas as frutas que encontrar em pedacinhos homogêneos e coma-as como salada de frutas.