Insônia 2

 



Já cansada dela, que tanto me olhava com aquele sorrisinho cheio de desdém, decidi convidá-la para um tête- à-tête.

O copo de água estava na mesa de cabeceira, que ela insistia em chamar de criado-mudo. Desandei a falar que essa história de mandar e obedecer não servia de nada, que falta de respeito! criado-mudo!

Ela pediu o copo.

Obedecer assim, sem nada dizer, de cara feia, olhos semi-abertos em eclipse de lua, como se não precisassem de palavras para descrever a fúria. Bastava o raio do pouco de olhos para dizer tudo.

Passei-lhe o copo quando já estava com os pés no chão, pronta para ir até a cozinha, pois o papo ia durar. Abri a geladeira, peguei um ovo, a frigideira, o azeite, a colher de pau, liguei o fogo, esquentei o óleo, fritei o ovo e nem ofereci. Isso é hora de ovo frito? Também não respondi. Além do manda e desmanda queria também interferir no meu gosto peculiar por coisas fora de hora. Fora de ordem. Nem reparou na dobra da minha pele do rosto por causa da fronha do travesseiro. Talvez até tivesse reparado, mas achou que fosse coisa da idade, placas tectônicas que se deslocam no manto magmático e dobram aqui ou alí. Pensei que ao invés de ovos talvez o melhor fosse cortar umas rodelas de pepino e cobrir parte das dobras, e das olheiras.

Mas foi então que ela pediu um café...

Passeio café.

Bebi o café.

Ela riu, como se nada tivesse pedido. Achei que fosse tomar com açúcar, mas ela gargalhou, largou a xícara e saiu meio voando pela porta-janela.

Nem cara feia precisei fazer, já era uma extensão de mim meio malcriada, meio muda. Queria mandá-la ver se eu estava lá na esquina, mas não. Fiquei em pé com a xícara entre as mãos, esperando o sol nascer, o dia passar, depois o poente chegar e a noite adentrar. Noite provavelmente durante a qual ela voltaria, infalível insônia, à espera do seu cafezinho. Eu eu à espera da conversa que talvez jamais desgrudasse de meus meros sonhos.