SÃO PAULO TERRA BOA
Le Monde Hors Séries celebra o Brasil
Depois do Ano Cultural do Brasil na França (2005), do ano Cultural da França no Brasil (2009), Le Monde Hors Séries de setembro de 2010 celebra o Brasil sem cair nos clichês, já conhecidos dos europeus, do futebol, do carnaval e da prostituição. Intitulado “Brasil, um gigante se impõe” a publicação faz um apanhado dos 25 anos de fim de ditadura militar, iniciando inevitavelmente pelo assunto que será, em breve, o final, com quase 80% de aprovação: os dois mandatos do presidente Lula. A “irresistível ascensão” do Brasil continua a fascinar.
Quase como num adeus, as primeiras páginas são destinadas à trajetória política do atual presidente brasileiro e ao legado deixado à candidata escolhida pelo presidente para as próximas eleições presidenciais: “Quando eu deixarei o poder, irei ao cartório para registrar tudo o que fiz. Para que aquele ou aquela que venha depois, e você sabe a quem eu penso, faça melhor que eu". Le Monde Hors Séries mostra as fragilidades do governo no que tange questões diplomáticas tais quais o Conselho de Segurança da ONU, a energia nuclear e o acordo iraniano, o Mercosul. Independentemente de tais questões o Brasil é atualmente um “país incontornável” no cenário internacional.
Dos problemas sociais dos Sem-Terras, das favelas, dos nordestinos à esperança dada pelas novelas, pela Copa do Mundo de 2014, pelos Jogos Olímpicos de 2016, pelo otimismo dos próprios brasileiros demostrados durante sondagem. Otimismo também pelo fato de que o Presidente Lula seja, ele mesmo, reflexo de uma ascensão social e política? Criança pobre do sertão que alcançou as mais altas funções. Afinal, de “onde vem o espírito brasileiro?” interroga a publicação francesa. Das raízes africanas, européias, indígenas? Da alegria, da muscalidade ou da descoberta de si mesmo como um emaranhado de tudo isso?
Aos olhos do Monde Hors Séries a irresistibilidade com relação ao Brasil e aos brasileiros não parece residir somente em experiências efêmeras de um turista em busca de samba e carnaval, mas em práticas que rompam com as noções estéticas sobre um povo, sobre um território unicamente em momentos de festas. O irresistível do Brasil é o quase como uma parafrase da Bahia por jorge Amado: é impossível explicar este país onde seu mistério é como uma nuvem que recobre o céu e, chagando do mar, nos reveste completamente: corpo, alma e coração.
Contudo, otimismo e ascensão não significam um futuro assegurado para o país. Mas uma coisa é certa: com tanta diversidade, contrastes e mistérios, existe sempre de quê se encantar. Com tantas experiências estéticas, fica difícil tirar o sorriso do rosto brasileiro. E do estrangeiro.
XIXI EM NEUILLY
O método é considerado eficaz pelo governo municipal, contudo, sucita por parte da população a reflexão sobre a liberdade dos indivíduos colocados sob controle generalizado e sem garantias sobre o uso das imagens registradas.
Duzentas e sessenta lhe parecem muitas? Imagine Paris, que em 2011 deverá ter mais de 1000 cameras para uma população de 2.193.031 hab. (dados de 2007) em uma superfície de 105,40 km2 contra uma população de 11.037.593 hab. (IBGE 2009) em s u p e r f í c i e de 1 . 5 2 3 k m2 para São Paulo.
Não creia que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo pense na tua liberdade com suas centenas de câmeras de vídeomonitoramento. Assim como nos realities shows, o programa custa caro ao orçamento público “A implantação do sistema de videomonitoramento na cidade de São Paulo foi dividida em duas fases. O Governo do Estado investiu R$ 6 milhões na compra de 102 câmeras, nas instalações da central de monitoramento, no programa de computador para seu funcionamento e no treinamento dos policiais operadores. A segunda fase, com um investimento de mais R$ 6 milhões, ocorreu com a instalação de outras 162 câmeras” (dados no site da SSP-SP).
Na França, a Assembléia acaba de aprovar a Lei Loppsi 2 que prevê, entre outros, multiplicar por três o número de câmeras de vídeomonitoramento instaladas no país. Serão 60.000. Economias com o novo plano para a aposentadoria, que resultou numa greve geral no último dia 7 de setembro e despesas com segurança pública. Ou melhor, privada, pois é a liberdade do indivíduo que se visa. Resta assinar os abaixo-assinados contra a medida e esperar que a caça se volte contra o caçador: um dia quando deixar de ser presidente, atrasado para uma entrevista numa rede televisiva onde participará de um realitie show, Sarkosy pare seu carro na rua para fazer um xixi. Pego em flagrante, uns dias depois, recebe uma carta: “senhor ex-presidente, se quiser fazer xixi, volte para Neuilly”.
PALAVRAS NO CONTA-GOTAS
Exercício literário : abra a boca e pingue uma duas três quatro gotas. Não esqueça de fechar o frasco, ou as aspas. Algumas vezes, a gota que deveria pingar como gota vira bolha na ponta do gonta-gotas e explode. Essa não pode ser considerada palavra bebida, tome mais uma. Aconteceu isso ontem, a caneta explodiu quase no nariz, engoli cação, rizoma, argila e ponto. Ainda não tive a sorte de ingerir palavras compostas, que parecem ter melhor efeito que palavras simples. O frasco é português, do Brasil, e deve ser conservado em lugar seco, ao abrigo da luz, pois pode dar revertério na composição. Kompremda qui palavrias ção phormadas pur letrias. Devemos seguir a regra da bula e do médico tintin por tintin e não misturar lé com cré.
Com a tinta na ponta do nariz, o cação, o rizoma, a argila e o ponto descendo pela garganta, o sono chega…
…O mundo nasceu de um rizoma fincado numa bola de argila quase seca. Quando chove, se chove, a bola incha e o rizoma cresce. Acontece que tem que chover na medida para o rizoma crescer, pois caso chova em demasia a argila vira lamaceiro e dentro da lama vive o caos, que é peixe cação adormecido esperando a poça se formar para rizomas devorar. Se chove de menos, dentro da bola tudo continua duro como pedra, como um ponto final que não precisa crescer para se transformar em outra coisa. Não foi do ponto que tudo virou mundo. E o caos reina porque o cação anda solto por aí. Pro rizoma a chuva no conta-gotas é a melhor coisa, como palavras no conta-gotas: nem mais nem menos. Senão estraga.
SALADA DE FRUTAS
Converse com os feirantes. Eles gostam de conversa, vai ser fácil. Peça ao primeiro cortar um mamão no sentido da junção do caule até a outra extremidade, no bumbum do mamão. Depois peça para cortar um outro mamão, se ele já não estiver cortado, em fatias circulares : perpendicular ao corte do primeiro mamão. Pare e observe até que esses dois mamaõs deixem de ser frutos. Espero que você não vá à feira perto da hora que os varredores chegam, que o caminhão jateie água por todos os lados. Vá com tempo. Tire uma foto dos mamãos, ou melhor daqueles girinos encurralados numa gruta gritando mamãe, daquelas pequenas anêmonas todas grudadas na pedra, quase pretas, esperando o água do mar voltar para se abrirem.
Depois passe para a barraca seguinte, não abuse sempre da mesma, o feirante não vai ficar contente de saber que você vai lhe pedir para cortar todas as frutas assim ou assado.
Com a laranja, peça a mesma coisa. Com o kiwi, a banana, a melância… Enfim, se tiver saputi melhor ainda! Repita o exercício. Kiwi e a íris de um belo olho verde-esmeralda ou uma lesma lesmeando seu ventre através de um vidro. Não cabe à mim dizer o que teus olhos vêem. Leve tudo para casa, as fotos.
Uns dias depois, aproveite a poda de árvores que a prefeitura organisa na cidade e vá observar os galhos cortados. Vá a uma pedreira e fotografe pedras cortadas, montanhas cortadas. Se entusiasme com o mundo que vê.
Se um dia você teve chance ou a terá, de ver a controvertida exposição “Our Body” (Nosso Corpo), pense nas frutas cortadas. Caso não consiga enxergar nada além do corpo humano, pense que frutos são provenientes da fecundação, no ovário das flores. Quase como nós. Se ainda assim a teus olhos tudo parecer demasiado humano, volte para casa, abra a geladeira, corte todas as frutas que encontrar em pedacinhos homogêneos e coma-as como salada de frutas.