VIAJAR


Viajar é uma experiência estranha: é ótimo, você descobre um lugar novo, com cheiros novos, sons novos, joga seu cotidiano pro lado e, principalmente, esquece do seu trabalho por uns dias. Ao mesmo tempo que você se deleita com esses prazeres, existe um outro lado da viagem sobre o qual quase não falamos. Quando, em meio aos novos cheiros e sons, olhamos para a paisagem ao lado, temos uma quase certeza de déjà vu. O coqueiro ali é muito parecido com aquele das praias do sul da Bahia, tem até cajueiros! Está com dor de garganta? Tome chá de alho com mel e limão. Até a língua, que no início parece indecifrável, tem um quê de déjà vu não porque ela está lá, presente todos os dias, mas porque você descobre, nos vais-e-vens das conversas, que mesa é meza e canga écanga. Então por qual razão viajar se, no fundo, vemos uma mistura de coisas já vistas? Por qual razão ir cada vez mais longe para descobrir um "mesmo"? Ao mesmo tempo que o cérebro está lá, cogitando sobre todo o dinheiro e o tempo que você gastou para chegar até aonde está, sobre o absurdo em fazer-se servir enquanto você passa o dia esticado numa rede vendo a maré descer e subir ou quando toma o chá das quatro dentro de uma barraca a cinco mil metros de altitude, tudo isso para conhecer mais uma praia, subir mais uma montanha, o seu cérebro sente uma espécie de prazer que não poderia experimentar em terreno já conhecido (será mesmo?) pelo simples fato que entre o cotidiano e o déjà vu existe uma grande diferença. Quem mora no Rio de Janeiro dificilmente olha para as montanhas todos os dias e diz "ohhh", como se todo dia fosse a primeira vez ou como se aquela vista fosse um déjà vu de algumas montanhas do norte da Tanzânia. Por outro lado, quando você corre (esporte) cotidianamente, você experimenta um prazer que é o de melhorar sua performance num percurso que, geralmente, é sempre o mesmo: você descobre cada metro do percurso para nele melhor correr...ora, por qual razão não fazemos o mesmo com as nossas vidas cotidianas? Talvez não precisássemos viajar dez mil quilômetros para descobrir que a flor de flamboaiã aqui ou ali tem o mesmo cheiro.
Contudo, mais a gente conhece estas sobreposições de déjà vus, mais a gente aprende sobre a unidade do mundo, sobre a diversidade que nos une (é, o papo é filosófico). Debaixo do flamboaiã daqui, pessoas de pele escura descansam nas horas mais quentes do sol, debaixo dos flamboaiãs de lá não há ninguém, só o mato que cresce. O coqueiro das praias da Bahia dão cocos que as pessoas bebem na praia, os coqueiros daqui dão cocos que caem na areia e ninguém dá a mínima bola.
São justamente os olhares e as intervenções dos homens que cá e lá habitam que transformam cada lugar em algo diferente daquele que você já viu. São nos detalhes que estão as diferenças. Mas só podemos vê-las se tormarmos tempo para conversar, ver, cheirar e andar por outros lugares ou por lugares que andamos todos os dias sem prestarmos muita atenção. As minhas terras têm palmeiras onde cantam o sabiá, e ao mesmo tempo o corvo daqui canta como o corvo de lá.