Dólares no alto-falante

Entrei no carro e o rádio tocando Lenine:


“O verbo saiu com os amigos

Pra bater um papo na esquina.

A verba pagava as despesas,

Porque ela era tudo o que ele tinha.

O verbo não soube explicar depois,

Porque foi que a verba sumiu.

Nos braços de outras palavras

O verbo afagou sua mágoa e dormiu.

O verbo gastou saliva,

De tanto falar pro nada.

A verba era fria e calada,

Mas ele sabia, lhe dava valor.

O verbo tentou se matar em silêncio,

E depois quando a verba chegou,

Era tarde demais

O cadaver jazia,

A verba caiu aos seus pés a chorar

Lágrimas de hipocrisia.

Dolores e dólares...

Que dolor que me da los dólares

Dólares, dólares

Que dolor, que dolor que me dá”


Acho que essa letra de música talvez seja a definição mais poética que já ouvi sobre o dinheiro, diz o copiloto.

Concordo.

E a mais teórica talvez seja a de Marx, o Carl. Ele também concorda, mas pergunta se gosto de dinheiro.

Dinheiro ? Ah, me polpe ! Não, não o dinheiro, me polpe por favor de entrar em detalhes…

Detalhes, diz o copiloto? La dolor dos dólores não são detalhes, exclama!

Ui, vou ter que explicar. Dinheiro é a coisa mais inteligente e a mais burra já criada pelo homem ! Dinheiro foi a maneira mais inteligente de trocar um camelo por sal sem ter que saber quantos quilos de sal valem um camelo. Mas hoje, mesmo se indispensável, virou, para mim, a coisa mais burra do mundo, pois hoje não mais se troca grão-de-bico por galinhas, mas se troca tempo de trabalho por umas moedinhas e umas cédulas em papel. Mas não é isso o lado burro do dinheiro, essa parte também é inteligente, pois o papel ou o metal não tem outro valor real…o valor está “escondido” em reservas de ouro. Por isso, dinheiro falso não vale nada! Hahaha. A burrice da criação do dinheiro reside no que transformamos seu valor…de troca de bens necessários…para troca de tempo de trabalho.

Ora, mas camelos não são necessários!

Não são mais. Já foram, mas deveriam continuar a ser, se não tivéssemos sido tão, tão…tão…. Ouça bem, você trabalha e em troca do trabalho você ganha dinheiro (muito, pouco. Outros trabalham por nada). Com o dinheiro você compra grão de bico, paga o médico, viaja, toma um sorvete…Dinheiro virou sinônimo de negócio. NEG-ÓCIO. Negação do ócio cara! Sabe o que isso quer dizer? Segundo Bacal (1988) a etimologia da palavra ‘’ócio’’ orienta-se do grego; ócio em grego antigo é scholé, parar. A pausa é ruptura de movimento, mas não é inatividade, pois no repouso do movimento do corpo é o cérebro que se ativa. Assim, para mim, escola é repouso criativo onde aprendemos (apprehendere) para criar (creare) e não para trabalhar. Ócio é criatividade! Acontece que ócio é tão mau visto que não é remunerado…ócio não produz dinheiro. Mas para ter momentos de ócio é necessário ter dinheiro. Essa é a coisa mais burra do planeta. Ócio deveria ser remunerado e obrigatório. Então a criação do dinheiro de ontem virou, hoje, a destruição do ócio e de qualquer tempo decicado ao trabalho criativo….

Ahhh entendo, mas não vem não, pois a gente também pode criar coisas, vender e trocar o dinheiro por grãos-de-bico.

Pode, mas daí não é mais ócio e vira negócio! O ócio sem dinheiro não tem finalidade prática, a gente deve criar por prazer e não só para ter o que comer, entende?

Saquei…ei merda…o policial tá pedindo para eu encostar o carro…Bom dia. Ãhã dirigindo em alta velocidade…ãhã, vai ter que multar…? Ah seu guarda, você não aceita grãos-de-bico? Piada…não senhor…deixa pra lá.

Pego o papel da multa, dou partida no carro e vou embora. Meu copiloto olha para mim e diz “e agora, é o ócio que paga a multa?”.

* essa conversa é fictícia e meu copiloto se chama Super Ego.