vento norte
Meu amanhã é uma bolha de sabão.
nasce de um sopro certeiro,
voa pro sul quando é vento norte,
sobe numa corrente de ar quente,
desce inesperadamente com o peso da água
que escorre pelas paredes finas e se condensa numa quase gota.
antes de perdê-la de vista, explode nas mãos de um menino
que ri
e que sai correndo para estourar a outra bolha,
já tão transparente que confunde-se com o céu azul.
O toque do menino no meu amanhã me faz cócegas.
Me contorço antes de arrebentar
Me transformo nas gotas de onde vim.
É assim que meu amanhã gosta porque ele é único. Não é para soar como poesia porque ele não é linguagem, não é palavra, não é som que sai da boca. Mais leve que tudo isso. Meu amanhã pesa menos que a letra a, nem faz barulho como quando uma uva madura cai no chão de terra batida num som surdo. Lá longe alguém passa o cortador de grama sem saber que a bolha que o menino não pegou veio pousar ali. Desceu devagar como um pousar de cegonha, de homem que pulou de pára-quedas: não é Ícaro pousando. Ele coloca seus braços para trás, uma perna um pouco dobrada e a outra estendida, como se um fil o puxasse para o chão. Ele ainda flutua pararelo à grama alguns metros e, quando seus pés tocam o solo, o vôo se completa, ele volta a ser homem. Bonito como ver uma cegonha que pousa no seu ninho.
Antes de amanhã ele nunca tinha visto cegonha voar nem pousar. Cegonha era mito de criança que ainda brincava com bolha de sabão. Perguntava um dia pros pais como a gente vem ao mundo e eles respondiam com a cegonha. Não sabiam portanto que era coisa impossível pois a gente vem-a-ser, tudo acontece amanhã. Assim deveríamos vir ao mundo numa bolha de sabão. Um ovo. REdonDO. Pluft. Lá de dentro um homem de pára-quedas.
Amanhã nasce o Homem. Imaginem um céu repleto de bolhas de sabão durante o dia e de estrelas durante a noite. Nenhuma crise existencial. Homem que já nasce sabendo voar. Por hora me contento do meu vir-a-ser, este porvir natural que acontece quando sentimos cócegas.
Vai, deixe o menino te tocar antes que ele corra rindo e esqueça de você pousado naquela grama, que será podada mais cedo ou mais tarde.