Umbigo

Pela primeira vez na vida, me deparo com o fundo do meu umbigo. Não sei quantos de vocês sabem, mas ele sempre foi um buraco negro, um espaço sem fim que serve para se comunicar com minhas entranhas. Ponto central do meu corpo.
Durante muito tempo pensei, e senti, que meu umbigo não tivesse cicatrizado, engolindo o dia e a noite, como a linha do horizonte faz com o sol e as estrelas.
Lavá-lo sempre foi uma tarefa complicada. Terminava por ter litros de água dentro da barriga, como se tivesse bebido um balde inteiro. Assim o tempo passou, como se meu umbigo fosse uma segunda boca alimentada pela vida. Virou um órgão interno que não consta nos manuais de anatomia.
Uma vez, durante a noite, meu umbigo resolveu sair do buraco e fazer uma exploração pelo meu corpo. Que belo mundo, pensou. Em suas andanças, descobriu o que deveria ser o topo de uma montanha. Lá de cima ele podia ver um segundo cume. Decidiu ir ver, mas como eram dois cumes parecidos, não soube onde ficar e foi embora. Descobriu um vale tão longo que não via o fim. Achou divertido, pois era um vale sem água, sem rio que passa, sem cachoeira que canta. Admirado, não percebeu que as duas paredes do vale se separavam, tornando-o um pricipício ! Agarrou-se em uma das peredes e escalou : subiu, subiu, subiu. De tão cansado que estava, quando chegou no topo, resolveu dormir.
No dia seguinte, quando acordei, não reparei que havia algo errado com meu corpo. Foi somente no final do dia, durante o banho, que não encontrei mais meu umbigo para lavar ! Vi uma barriga sem umbigo. O que eu achava ser um buraco negro, tinha desaparecido, virado fumaça. A porta de entrada em mim mesma era, agora, uma superfície lisinha como massa de pão posta para descansar.
Que desespero ! Que agunia ! A água escorria pelo corpo, lisa.
Foi então que comecei a reparar que, no meu corpo, um lugar tinha uma sensação estranha. Aquela sensação de inchaço ao lavar meu umbigo, tinha mudado de lugar. Meu umbigo querido estava mais embaixo. Oh, cansado de sua escalada, dormiu na minha coxa esquerda ! Joguei um jato d’água. De tanto susto, ele acordou num pulo e foi parar na palma de minha mão. Olhei para ele, bem de frente, e perguntei o que ele estava fazendo por lá. Envergonhado, ele ficou vermelho e, em seguida, tentou escapar, escorrendo por entre os dedos. Recuperei-o logo antes de ser engolido pelo ralo. Imagina, ficar sem umbigo ?
Peguei-o firme entre os polegares e expliquei a importância que ele tinha na minha vida. Disse que, misterioso, ele não merecia ser perdido, mas desvendado. Depois de muita água escorrida, ele se convenceu em voltar a seu lugar de sempre.
Lá ficou e, durante muito tempo, se calou. Pensei que estivesse bravo comigo, pois nem mais se enchia d’água durante os banhos. Me enganei.

Somente agora, anos depois, que desvendo o mistério do meu umbigo : com duas lentilhas crescendo dentro da barriga, meu umbigo é obrigado a mostrar seu fundo. Envergonhado, ele tentou partir para não me deixar ver sua branquice.
Entramos num acordo e, sempre que posso, levo-o para tomar sol na beira da piscina.