Carta de um colibri para um caramujo 2

Querido caramujo,

nem te vi partir.

Achei que os polimitas deslizavam devagar, que demoravam para passar. Achei que invisíveis fossem as minhas asas que vão mais rápido do que os rpm dos dedos acelerando um vinil. Talvez os enganos sejam por culpa do ponto de vista: quanto mais perto de nós, mais rápido as coisas saem do campo de nossa visão. Quanto mais perto, tudo se amplifica: gesto da mão se torna um furacão; qualquer deslize, um escorregão; qualquer piscar de olhos, um apagão; qualquer pulo, quase um oceano atravessado por um avião.

Não te vi ir embora, mas antes pude te sentir.
Não foi nos livros que descobri que os polimitas têm dentes, foi na pele:
delicado e voraz, você me despiu das mimhas penas, jogou-as pelos ares e cravou-me os seus. Pode parecer um filme de horror, coisa de vampiro e de bichos noturnos. Nos livros sobre polimitas, não há nenhuma referência sobre o assunto e sobre teus abraços, que de tão colados, só eu posso descrever: qualquer deslize é também um arrepio; qualquer palavra, uma pulsação. Qualquer dentada, uma perdição.

Um beijo.
E um abraço.