PÉS DE VENTO
A casa tinha as persianas azuis e
um jardim verdejante, a partir do qual podia-se avistar um rio e as montanhas ao longe. O
vento soprava o tempo por três, seis ou nove dias seguidos. Lá moravam duas
meninas de cabelos castanhos, risonhas e sem os dentes caninos, que perderam
na idade em que deveriam perdê-los.
No quarto dia o vento parou de
soprar. Era cedo, o sol tardava a apontar os raios atrás das montanhas. Era cedo, já estava na hora de ir
para a escola quando uma das meninas disse :
— Manhêeeeeeee, espeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeera! —
pronunciou assim mesmo, bem esticado.
E a mãe respondeu :
— Não espero não.
Mas foi a outra que emendou :
— Espeeeeeeeeeeeeeeeeeeera sim, a
gente ainda não penteoooooooooooooooooooooooou os cabelos. — e a voz mingou a caminho do banheiro.
A mãe ficou na soleira da porta,
balançando o molho de chaves na mão, segurando a porta com os pés para que ela
não batesse e fechasse.
— Vamos ? — perguntou a mãe,
embora não tivesse desejado que soasse como pergunta. Mas já era tarde demais.
—
Espeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeera!
— gritaram em coro.
A mãe estava ficando nervosa, o frio
estava de congelar os dedos, o que piorava a situação. O vento já tinha soprado
o tempo, soprado muito tempo. E lá vieram as duas em pé de vento, como se disputassem
cem metros rasos no corredor.
— Espeeeeeeeeeeera, esqueci o
livroooooooooooooo —lançou uma delas, já girando o calcanhar. E o vento
soprando.
Finalmente, quando voltou, a mãe
já estava pensando em fechar a porta sair gritando o pulmão inteiro aos quatro ventos ou na direção das montanhas e do rio e não voltar nunca
mais. Mas esperou. Respirou. Olhou para o relógio e descobriu que naquele
momento nascia o tempo do tempo.
Era um novo tempo que só podia ser
entendido pelas meninas risonhas e sem caninos, cujos cabelos voavam ao vento emaranhados
ao tempo, doravante, por dois, quatro ou oito dias seguidos.