São Paulo





São Paulo tem um lance meio Tóquio
Um lance meio tralalá
Com tanta gente que vai
pra cá e pra lá.
São Paulo tem um lance meio radical
Um lance cheio de contradição
Com tanta gente em meio à poluição.


Nasci aqui
Vivi aqui
Mas nunca vou entender
o que faz esse povo amontoado
como um buquê.


Hoje vi um cachorro de roupa e sapatos. Andava trotando.
A dona vestia legging e botas de cano alto. Andava empinada. Cabeça erguida...
Como se sonhasse que o cão fosse um perfeito mangalarga marchador...

A QUÍMICA DA IDENTIDADE

             Pensar a questão da identidade de cada um ou de um coletivo do ponto de vista científico me parece bem interessante, principalmente em época de mil teorias sobre o porquê de tantos atentados terroristas no mundo ocidental.
            Lavoisier, um francês, "pai" da química moderna, disse um dia: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Foi ele quem descobriu que a água é formada de dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio. Morreu guilhotinado após as palavras do presidente do Tribunal Revolucionário: "A República não precisa nem de sábios nem de químicos". Na verdade a República não precisava de aristocratas. Então ele morreu não por ser sábio ou químico, mas por ser aristocrata. Mas como nada se cria, nada se perde, as moléculas do pensamento de Lavoisier continuaram a circular pelo mundo. Todo mal da República francesa era cortado, não pela raiz, mas pela cabeça. A simbólica é forte: corta-se aquilo que pensa e não aquilo que originou o pensamento. Não digo que deviam ter cortado os pés ou a cabeça de Lavoisier. Penso que, pelo menos, o ditado em português funciona melhor: cortar o mal pela raiz.
            No meu ponto de vista a identidade francesa foi forjada desses cortes simbólicos, dessa espécie de crença cuja hipótese diz que é possível tapar o sol com a peneira, como se cortar a cabeça de uns e de outros fosse essencial para a construção do identitário da República francesa. Daí começaram a colocar maiúsculas em todas as Ideias Humanas, das Luzes, Democrática Francesa. Vejam só: até os adjetivos pátrios se escrevem com maiúscula: sou Isso, sou Aquilo. Até mesmo os sobrenomes moldam uma parte essencial da Cultura francesa. Aqui, geralmente, as pessoas são chamadas primeiramente pelo sobrenome, que se escreve em letras capitais e depois pelo nome (ou nomes). O sobrenome vem sempre do sobrenome paterno e assim sabe-se que sou Isso, filho DISSO, tataraneto DISSO que vivia num pequeno povoado que resistiu às invasões Romanas, Italianas, Alemãs, Inglesas, Espanholas,...enfim, como se sou Isso DISSO fosse mais que o suficiente para dizer, aos olhos do outro, "olhe, ele lá é Isso DISSO, então é Francês" (sim, com maiúsculo). Aqui todo mundo chama Jean-Paul de SARTRE, Nicolas de SARKOSY, Angela de MERKEL e eu, de mademoiselle BUENÔ.
            Então imaginem que LAVOISIER Antoine, na verdade (na minha verdade) deve ter sido guilhotinado porque se seu conta que mesmo se "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", muita coisa na sociedade francesa não se transforma coisa nenhuma. Se Lavoisier ainda estivesse vivo teria perdido a peruca branca e estaria com os cabelos em pé! Muita coisa, na França, é feita, é pensada, é concebida com a finalidade de conservar essa identidade sólida, imutável. Boa parte daquilo que causa um movimento qualquer, nas bases desta inabalável identidade, perde a cabeça! (Não podemos exagerar...desde 1360 a moeda francesa era o Franco e hoje é o Euro ;o)). O país é laico, mas nas escolas ainda se fazem atividades extremamente centradas na Páscoa, Natal ou Carnaval. Todos os dias do ano é um dia de um Santo cristão.
            Um belo dia chega neste país um fulano que se chama Fulano de Coisa e Tal  e, coitado, é escorraçado quando vem, aperta a mão do Isso DISSO e diz : "Bom dia, sou o de Coisa e Tal Fulano", porque aqui é assim, para ser fino você diz primeiro teu sobrenome, claro. Mas de Coisa e Tal não soa francês e Isso DISSO faz cara feia.

            Sinceramente, se "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", a sociedade francesa, num todo, deveria se dar conta que sua identidade já foi transformada há tempos; que Fulano da Coisa e Tal é tão francês quanto Isso DISSO. A inclusão passa pela transformação das bases e não pelo corte de cabeça daquilo que é avesso. Brigar contra a transformação é resistir contra a inclusão, seja ela racial, cultural ou religiosa. Educação à diversidade é a aceitação que mudanças sócio culturais -e portanto mudança da identidade de uma nação- são possíveis e bem-vindas. Não estou aqui justificando os atos desumanos de uns fanáticos que o jornal estampa bem como chamando da Coisa e Tal, estou aqui dizendo que tapar os olhos com a peneira ou cortar o mal pela cabeça não resolve o problema. Problema, aliás, que não é somente que de Coisa e Tal seja um terrorista, mas que ele seja, sobretudo, um francês.